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Esforço extra é critério: O comportamento de cidadania organizacional e seus efeitos sutis

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Marcela Peterson


Em muitos ambientes de trabalho, há um padrão que me chama atenção: pessoas que se esforçam além de suas obrigações formais acabam sendo vistas como “exemplos” a serem seguidos, mesmo quando isso não está nos papéis. Esse fenômeno, conhecido como comportamento de cidadania organizacional (OCB), foi investigado por Allen e Rush (1998) com um grau de profundidade que confirma algo que percebo intuitivamente no dia a dia: nem sempre é o desempenho técnico que pesa mais na avaliação — e sim o quanto a pessoa é “bem vista”.

Muitas vezes quando um funcionário demonstra comportamentos como ajudar colegas, aceitar tarefas extras ou manter uma atitude positiva mesmo diante de dificuldades, isso ativa nas lideranças uma imagem do “bom empregado”. O curioso e preocupante é que essa imagem vem carregada de afeto, e não necessariamente de critérios objetivos. Ou seja: a pessoa passa a ser avaliada não só pelo que entrega, mas pelo quanto se encaixa nesse ideal subjetivo.

Já presenciei muitos profissionais excelentes tecnicamente sendo subvalorizados por não exibirem esse tipo de envolvimento afetivo com a organização. Por outro lado, outros que constantemente se voluntariam, demonstram lealdade e mantêm uma postura colaborativa, acabam sendo vistos como mais comprometidos, mesmo sem resultados superiores aos outros. O afeto que o gestor sente, a percepção de compromisso e até o motivo atribuído ao comportamento afetam diretamente decisões como promoções e recompensas.

Essa constatação me fez refletir sobre a justiça organizacional. Será que estamos premiando as pessoas certas? E mais: será que todos têm as mesmas condições de demonstrar comportamento de cidadania organizacional (OCB)? Nem sempre. Há quem enfrente limites pessoais, sobrecarga ou dificuldades invisíveis que impedem esse “algo a mais”. Ainda assim, essas pessoas podem ser incrivelmente competentes, mas acabam ofuscadas por quem performa engajamento de maneira mais visível e emocionalmente agradável ao avaliador.

Quando o gestor acredita que o funcionário age por lealdade e valores pessoais, a avaliação tende a ser mais positiva. Mas se há a suspeita de que a pessoa está “se exibindo” para ganhar pontos, o efeito se perde ou até se inverte. Isso me lembra como somos rápidos em julgar intenções, muitas vezes com base em impressões superficiais.

Os julgamentos de desempenho não são neutros. Eles são atravessados por emoções, estereótipos e inferências subjetivas. Saber disso não é apenas útil, é urgente. Sobretudo para quem ocupa posições de liderança ou RH, esse conhecimento precisa servir como convite à autocrítica, à construção de critérios mais justos e à valorização da diversidade de formas de contribuir.

O esforço extra é importante, sim. Mas ele não pode ser o único — ou o mais decisivo — critério de reconhecimento. Quando o “bom colaborador” se torna sinônimo de quem sabe agradar, corremos o risco de reforçar uma cultura de performance afetiva, e não de competência real. E esse, certamente, é um caminho perigoso.

 
 
 

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